Mais do Mesmo: Eurocentrismo na Fantasia Medieval

Pouco tempo atrás, eu finalizei um jogo desenvolvido pela BioWare e LTI Gray Matter, chamado Jade Empire. Lançado em 2005, é um jogo mais antigo, com uma mecânica semelhante ao primeiro The Witcher, que estreou logo depois.

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Capa de Jade Empire

Jade Empire se passa em um universo fantástico baseado de maneira forte na antiga China e sua mitologia; o único europeu que aparece na história é um explorador que é uma clara chacota aos dominadores europeus das grandes navegações. Foi uma experiência fantástica e refrescante ver uma história medieval ser baseada em uma cultura não tão explorada assim.

O que me levou a pensar sobre o eurocentrismo em gêneros fantásticos, em especial a fantasia medieval. Há uma repetição muito grande de enredos, arquétipos de personagens e conflitos, pois todos se passam em um cenário baseado em uma mesma localidade, nos mesmos séculos, mesma tecnologia e mesma concepção de magia. Pior de tudo, abordados sob ópticas semelhantes.

Não sei quanto à outros autores, mas o que me levou a criar histórias no medievo europeu (antes de eu pegar no tranco criativo e quebrar esse molde), foi a concepção errada de que não existiram impérios, reinos e nações em outros lugares do globo com tecnologia e política que permitissem o desenrolar de histórias épicas. Mais interessante ainda: o conceito do que é épico pode muito bem ser adaptado para sociedades mais distantes do padrão europeu ocidental.

Dá mais trabalho pesquisar sobre sociedades medievais que não sejam europeias ocidentais. É preciso certo esforço para criar imersão adequada quando fontes para referência (como por exemplo, arquitetura e estilo de roupas) são mais escassas. Às vezes, não existe nem palavras na língua portuguesa para transmitir ao leitor alguns desses aspectos.

Passei alguns dias, por exemplo, tentando encontrar uma maneira de descrever as armaduras usadas pelos mongóis e quebrando a cabeça com a arquitetura de alguns lugares no meu romance atual, pois eram inspirados na arquitetura indiana e a pouca familiaridade atrapalhou bastante. Vale a pena: todo um leque de personagens, costumes e enredos pouco explorados se abre.

Outra opção é mudar um pouco o ângulo de exploração desse ambiente da Europa medieval. Sou fã dessa alternativa, pois sendo habitante de um país colonizado por europeus, sinto como se não tivesse uma cultura para chamar de minha. Escrever sobre a antiga China ou a África me é tão estranho quanto escrever sobre a Europa ocidental da maneira como ela é mais comumente abordada, muito embora eu prefira escrever sobre estas primeiras.

Entretanto, me sinto bastante confortável explorando o medievo europeu com outras lentes. O fato é que a história não é imparcial, e é notória por invisibilizar costumes e pessoas que não se encaixem nos padrões. A história é omissa nos relatos da existência de grupos étnicos diferentes do caucasiano dentro da Europa ocidental e até mesmo fora dela (!). Igualmente, é omissa no relato de pessoas que não se encaixavam no padrão de gênero, orientação sexual e religião.

Dessa maneira, todos temos a ideia de que na Europa medieval só existiam pessoas brancas, cis e heterossexuais. Qualquer personagem diferenciado não condiz com a coerência interna do cenário, muitos se apressam a dizer. A meu ver, o que é incoerente é não levar em consideração a relação desse personagem com seu cenário, o que, digamos de passagem, é necessário fazer em toda e qualquer história.

Mais uma vez, se faz necessário um trabalho extra para buscar fontes que façam esses relatos, mas à partir dessa busca, é possível reimaginar a forma como vemos a Europa na fantasia medieval, ou abandoná-la completamente, e sair do lugar-comum.

 

 

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