Oferenda

Noite escura de lua minguante. Numa alcova porcamente iluminada por velas, três moças estão sentadas em círculo ao redor de um altar. Todas estão nervosas, mesmo que duas delas já tivessem passado pela provação. O tempo se esgotava depressa, e, se demorassem, as três jamais se veriam novamente.

Claro, a tarefa a ser completada não dependia somente da boa vontade das presentes. Noites de sono e dias de descanso foram perdidos em busca de algo que encontraram não por esforço, mas por pura sorte. Duas vezes por ano, um deus faminto e exigente clamava por oferendas. O que ele queria, e que horas ele queria, impossível dizer. Não se sabia de um método mais certeiro do que a tentativa e erro.

Não que os tolos desistissem de encontrar maneiras menos dispendiosas, e boatos corriam rápidos como fogo em um fio de pólvora. Às quatro horas da tarde, diziam alguns, o deus era mais fácil de agradar. Um esqueleto de um corvo jamais falhou, afirmaram outros. Só que as quatro horas da tarde do dia seguinte era tarde demais. Arranjar um esqueleto de um corvo, aonde? Não dava nem mais para comprar um frango no supermercado.

Toda uma lista de opções já fora testada àquela altura. Suor escorria da testa da jovem cujos presentes continuavam a ser ignoradas. O destino dos rejeitados era incerto e, pelo que se sabia, doloroso.

Não tá dando certo! O que mais dá pra eu tentar?! – exclamou ela em um surto de ansiedade, se levantando para andar a passos rápidos ao redor da sala.

O altar permanecia estático. No chão, uma série de artefatos jazia aos seus pés. Joias, órgãos de animais, temperos trazidos com quatro meses de antecedência de lugares remotos do globo.

Espera mais uns minutinhos… – sugeriu uma de suas amigas. – Vai ver é porque tem muita gente fazendo sacrifício de última hora.

A outra puxou um caderno onde todas as ofertas haviam sido cuidadosamente anotados. Após seus olhos escanearem os itens, perguntou:

E sangue de virgem? Muita gente teve ter usado a uma hora dessa, mas não custa nada tentar.

A jovem ignorada pelo deus olhou para o teto e parou de caminhar. O capuz negro e as sombras escondiam sua expressão irritada.

Eu já falei que eu não suporto ver sangue. Especialmente se for o meu!

O que mais a gente tem tempo de arranjar? E, no mínimo, essa deve ser a pior hora para tentar de novo. Eu mesma posso fazer o corte, aí tu fecha os olhos e nem vê nada.

Não tinha nenhuma faca afiada na cozinha. E faca também era dramático demais. Ficou decidido que seria um corte com uma gilete na ponta do dedo. A jovem aflita, apertou bem as pálpebras e quase parou de respirar.

Não pôde enxergar o momento que uma gota de seu sangue tocou no azulejo do chão, e a tela do altar mudou de indisponível para o seu painel de matrícula online da faculdade.

Nota da Autora: Boatos de que esse ser divino se chama SIGAA em terras cearenses.

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