A Rainha do Ignoto – Ficção Sobre Mulheres

Quem acompanha o site já deve saber que esta que vos fala desafiou a si mesma a ler mais obras nacionais, especialmente as escritas por autoras. Dentre todas as que li até o momento, não vou negar que esta é a mais querida.

A Rainha do Ignoto é um romance fantástico, publicado primeiramente em 1899 e escrito por Emília Freitas, uma professora nascida em Aracati, no Ceará. A cópia física que adquiri foi impressa em 2003, pela Editora Mulheres da EDUNISC (Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul), que é a terceira edição. Para quem perdeu o memorando: o livro é considerado pioneiro no gênero fantástico no Brasil.

Apesar do protagonista do romance ser homem, ele é apenas uma janela pela qual podemos acompanhar uma narrativa primariamente construída e protagonizada por mulheres. E essa narrativa, afinal de contas, qual é?

Pelos olhos de Edmundo, um advogado que decide retornar à sua terra natal, assistimos à história da Rainha do Ignoto. Ela é autoridade que controla uma organização feita apenas por mulheres, sediada na Ilha do Nevoeiro, um lugar cheio de encantos e oculto dos olhos dos homens por uma neblina mágica (e sim, isso parece um pouco com o que acontece no filme da Mulher Maravilha rs). O objetivo final dessa organização é, simplesmente, ajudar as pessoas.

Capa da segunda edição d’A Rainha do Ignoto

E para além da Rainha, vemos de passagem várias outras histórias, de mulheres e suas relações complicadas com os homens, que as machucam, destratam e as levam à loucura; enquanto que algumas dessas mesmas mulheres acabam sendo agentes de mudança para si próprias e aos demais.

Em paralelo, temos os dramas corriqueiros de Passagem das Pedras, vilarejo para onde Edmundo retornou. De maneira mais realista, discute-se os mesmos pontos tratados no subenredo da Rainha e suas paladinas. Impossível não identificar em nós mesmas e nas demais traços de Carlotinha, que esperou pelo seu amor (spoiler: amor esse que nem a considerou até perceber que esta era a opção mais conveniente), e Henriqueta, cujo ódio a outras mulheres era uma maneira de se autoafirmar.

O mundano do interior do Ceará enfatiza e se entrelaça com o fantástico, enriquecendo a história em vez de atrapalhá-la, dando espaço para personagens mais próximos da realidade em que vivemos.

O único ponto fraco é a falta de personagens negras e indígenas em posição de destaque, embora houvesse abertura para isso dado o contexto, deixa a desejar. Certos recortes acabaram por não ser abordados, então não posso afirmar que nas páginas d’A Rainha do Ignoto temos um leque muito variado de experiências: algo não muito surpreendente, levando em consideração a época que o livro foi escrito.

Ainda assim, não imaginei que um romance de fantasia do século XIX fosse capaz de exprimir tão bem em suas páginas a experiência de ser mulher, sujeita às limitações de uma sociedade patriarcalista, da dor e vitimização até a solidariedade e resiliência. A Rainha do Ignoto é uma leitura necessária nessa sociedade que tanto carece de conhecer e discutir a experiência feminina.

Nota da autora: A revisora está curtindo a gravidez. Vocês estão à sós comigo e minha revisão textual porca novamente. Peço perdão desde já :c

4 Comments

    1. Oi Bruna, infelizmente é difícil encontrar 🙁 Eu comprei o meu na Estante Virtual, de um sebo, por um preço bacana. Fui procurar agora para te indicar um link e sumiu. Fica de olho em sites que vendam livros usados! Tem a Estante Virtual, e a amazon também oferece esse serviço.

  1. Bom dia, Gabriele! Realmente esse romance é muito bem elaborado, principalmente numa época tão limitado para as mulheres. Mas Emília de Freitas era o tipo de mulher que gostava dos desafios, foi abolicionista, republicana e espírita. Nascera e morara aqui em Jaguaruana (CE) até os 14 anos de idade. Com o falecimento do avô, do pai e de um irmão em pequeno intervalo de tempo a família resolvera ir morar na capital onde familiares da mãe dera total apoio na educação de sua numerosa família. O pai, o Coronel Antonio José de Freitas fora fundador da Vila de União, hoje Jaguaruana (CE). O romance retrata um sonho de pequena: um dia ser a princesa que habitava a gruta do Ererê e viajar o mundo fazendo o bem a quem necessitasse. Incrível! Mas é a verdade! Observe que ao final do livro ela se revela filha e neta dos túmulos visitados em União. E a gruta do Ererê é uma realidade, como o é o monte Serra das Antas. Mas o mais curioso é que não tem como visualizar os dois ao mesmo tempo estando em Passagem das Pedras. O Ererê fica na entrada da cidade de Itaiçaba e a Serra das Antas na Chapada do Apodi, município de Jaguaruana (CE). Ainda hoje a comunidade de Itaiçaba relata a lenda dessa princesa que habita o Ererê e, infelizmente, desconhece “A Rainha do Ignoto”, uma belíssima obra para estar entre os livros das bibliotecas das comunidades citadas.

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