Dia 25 de julho é o Dia Internacional da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha. Sendo eu mesma enquadrada nessa categoria, não queria deixar essa data passar em branco, mas não poderia falar sobre qualquer coisa já que o Usina de Universos é sobre, principalmente, fantasia e ficção científica.
Pensei em fazer um post falando de autoras negras nos gêneros de interesse e me deparei com um probleminha… Tem pouquíssimas. E os nomes que mais apareciam no Google eu já tinha falado sobre aqui, e nenhum deles era de mulheres latinoamericanas.
A intenção inicial era escrever sobre algo positivo, mas me vi obrigada a elucidar os motivos de haver tão poucas autoras negras nesses dois gêneros. Brasileiras, em especial. E quem melhor para explicar esse sumiço? Será que mulheres negras não se interessam tanto assim por ler e escrever nesses dois gêneros por vontade própria? Ou será que tem algo maior por trás disso?
Quando se fala de Brasil, o motivo mais óbvio é o recorte de renda. Não deve ser novidade para ninguém que uma grande parcela da população negra é pobre. Ter tempo e ferramentas para a produção literária por si só já é um privilégio de classe; e publicar demanda um capital de giro que muitos brasileiros não tem, quem dirá uma parcela da população empobrecida não só pela cor, mas também pelo gênero.
Dessa parcela, sou exceção. Nasci negra, mas meu pai é branco e é ele quem garante a permanência da família na classe média. Tenho acesso à educação, e até o momento fugi estatísticas que afligem as mulheres e meninas negras como trabalho infantil, gravidez não planejada na adolescência e abandono paterno, tanto por ser classe média, educada, quanto por ser o que as pessoas conhecem por “mulata” (graças ao tal do colorismo).
E dessas exceções, por que menos ainda dessas poucas acabam nos gêneros fantásticos?
Também espero não falar nada de surpreendente quando afirmo que fantasia e ficção científica são gêneros dominados por homens brancos, cis e hétero, tanto em autoria quanto nos personagens. Personagens femininas brancas ou homens negros já são exceção digna de nota, quem dirá tantas outras personagens pertencentes as várias outras minorias.
Não é que não seja possível ler todas essas obras, gostar delas e apreciar sua qualidade. Entretanto, a falta de representatividade gera um engessamento dos enredos e mundos passíveis de serem explorados. Ver a mesma história, com temas e conflitos similares, o tempo todo, e em geral com os mesmos problemas de misoginia, racismo, e demais opressões, cansa. Há um ponto de saturação, muito fácil de atingir se você sempre está lendo dentro dos gêneros fantásticos.
Para piorar, nem sempre buscar obras mais representativas é fácil. As duas autoras negras de ficção científica que eu conheço, tive que lê-las em inglês… Querer escrever algo quando nem se gosta de ler dentro desse leque, ou se livros mais ao gosto do freguês são inacessíveis, é improvável, imagino eu.
Outro ponto digno de nota é o contato necessário com outros autores quando se almeja escrever bem e ser publicado. Transitar em um meio predominantemente masculino, branco e hétero enquanto mulher e negra é, no mínimo, cansativo, e pode chegar até mesmo a ser perigoso. Em especial, se, como eu, a mulher em questão calhar de ser bissexual, ou quem sabe lésbica e/ou transgênero.
Assim como não é incomum ler comentários racistas, misóginos, e contendo todos os tipos possíveis de fobia em grupos de autores voltados para a fantasia. Ler já é prejudicial o suficiente, e tentar discutir é ainda pior…
Eu mantenho minha distância desses grupos, e a minha saúde mental agradece, porém as oportunidades reduzidas para networking e receber feedback de outros autores nos meus textos têm sido um fator negativo do desenvolvimento da minha escrita e divulgação do meu escasso trabalho.
Por isso, faço questão de apoiar as autoras negras, pois existem mais dificuldades envolvidas. Falando nelas, vou encerrar o post com uma lista de links relevantes para quem quiser saber mais sobre escritoras negras além desta que vos fala.
Nota da autora: Não acho que tenho notoriedade o suficiente para alguém vir aqui e comentar MAS NEM TODO HOMEM/PESSOA BRANCA/PESSOA HÉTERO, entretanto queria deixar claro que nada contra, a maioria dos meus amigos são os três de uma vez rs. Falando sério agora, atitudes escrotas e até mesmo violência são naturalizadas pela nossa sociedade, o que garante a certeza de sofrer algumas dessas coisas quando se está num meio cheio de gente que não pertence a sua minoria. Quem se sentir ofendido por essa realidade provavelmente é parte do problema.