Por que NÃO ler os clássicos

Inspirado em um texto da Lady Sybylla.

Inicio esse texto revelando que comecei a ler Tolkien e abandonei a leitura em 50 páginas. Com Frank Herbert, durei umas boas 150 páginas antes de abandonar Duna (a edição nova e belíssima da Aleph). Lembro de ter começado Neuromancer e, também, desistir da leitura pouco tempo depois. H.P. Lovecraft e sua ficção evidentemente racista sofreu o mesmo fim.

Não é que esses livros sejam ruins, e não é que eles não tenham sua importância, e, se possível, é interessante ao menos saber da existência deles. Mas paremos um momento para analisar quem escreve as obras consideradas clássicos, e sobre o que elas falam. Ou, melhor, sobre o que elas acabam não falando.

Os grandes nomes da fantasia e ficção científicas do passado tem sido homens brancos, héteros, de classe média, que escrevem sobre elfos, dragões, anões, pessoas mortas cujas memórias foram armazenadas em computador, inteligências artificiais, minhocas desérticas gigantes, e, claro, homens brancos héteros. De vez em quando uma mulher branca aparece, e olhe lá.

Reunião com todos os autores mais conhecidos de fantasia e FC. Imagem meramente ilustrativa, qualquer semelhança é mera coincidência.

E apenas não é possível explorar toda a condição humana a partir de um ponto de vista masculino, branco, hétero; em suma, de um ponto de vista padrão. A condição humana é diversa, impossível de ser abordada de maneira completa se vista apenas de um ângulo restrito.

Todos compartilhamos algo em comum com a humanidade, entretanto comete-se o erro de achar que a condição do homem branco hétero é universal, e a condição dos demais é irrelevante pois não diz respeito a mais ninguém (e que, também, essas pessoas não leem nada e não anseiam por ser verem representadas). Em suma, o famoso androcentrismo.

Alguns livros escritos desse ponto de vista branco e androcêntrico me agradaram e me inspiraram, e por vezes eu até encontrava uma coisa ou outra que me refletia. O problema é que quase todos os livros considerados clássicos por uma boa parcela de leitores, autores e conhecedores da literatura vem desse ponto de vista.

Chegou um ponto no qual eu me cansei de ver os mesmos temas sendo abordados das mesmas maneiras, enredos e questões muito semelhantes, pois quase todas as obras mais populares e acessíveis são autoradas por pessoas da mesma etnia, orientação sexual, e classe social, e que por isso acabaram lendo as mesmas obras clássicas, tem o mesmo nível de educação, etc.

Para quem procura diversidade e representatividade na fantasia e ficção científica, uma lista de clássicos ou livros populares não irá satisfazer a demanda. Como já deve ter sido provado nos prêmios literários dos últimos anos, e pelo conteúdo aqui do Usina, só o que não falta é conteúdo de qualidade produzido por escritores mais diversificados, muitos dos quais têm sua obra negligenciada.

Não é pecado não ler e/ou não se interessar por essas obras: tem muita coisa boa ficando de fora.

Para quem quer saber o que eu tenho lido esse ano:

Digue