Trilogia Binti – Garota vs. Cultura

Eu já fiz um post sobre a primeira noveleta da trilogia, intitulada apenas de Binti, escrita por Nnedi Okorafor, e, agora, voltei para falar sobre a trilogia completa. Na época, não havia nenhum prospecto de publicação dessas obras no Brasil, mas Binti será lançada pela Galera Record em breve.

Sobre Binti, eu tinha apontado que alguns detalhes do worldbuilding ficaram incompletos. Nem tudo precisa ser explicado, afinal, porém algumas informações estavam realmente fazendo falta, e foram explanadas em Binti: Home, e Binti: Night Masquerade, a segunda e terceira noveletas, respectivamente.

Na primeira noveleta, ela foge de casa para estudar na Universidade Oomza, algo que não lhe seria permitido por ser mulher.

Nnedi Okorafor, a autora da trilogia. Fonte da imagem: https://www.essence.com/nnedi-okorafor-who-fears-death-hbo-george-rr-martin-game-thrones

Na segunda, ela retorna para casa, ao lado de Okwu, seu parceiro, que calha de ser uma Medusa, um povo alienígena cujos conflitos históricos com o povo de Binti e os povos vizinhos perduravam. Ela também deve lidar com a vergonha de não ser mais “para casar”, depois de sair de sua terra natal – em vários sentidos – para perseguir uma educação superior.

Na terceira, ela descobre mais sobre seu passado, o que a torna ainda mais rejeitada por sua família e seu povo, e a coloca no centro de um conflito entre as Medusas e humanos, e entre as sociedades da região; mas, no fim, ela encontra seu lugar, e as pessoas (e medusa rs) com quem deve estar.

A trilogia é, em suma, o conflito entre uma garota em crescimento e sua cultura. Nnedi consegue, com sucesso, navegar na fina linha entre enaltecer os costumes da protagonista, mostrando seu amor pelo legado que ela representa, e criticá-los, por restringirem o futuro de suas mulheres, e serem fechados demais para outros costumes, modos de pensar e jeitos de viver.

Essa nuance é muito apropriada, pois, apesar de julgar necessário explorar e enaltecer costumes como os dos Himba, é fato que toda cultura tem seus aspectos negativos. É possível fazer críticas sem desmerecer, é possível participar dela e querer mudar o que não está bom; é essa a história de Binti.

Outro ponto forte é a caracterização da própria protagonista. Sua maior qualidade é conseguir enxergar diferentes pontos de vista, entender e acolher diferenças. Apesar de fugir aos padrões de gêneros impostos a ela, sua força não é masculinizada.

Capa de Binti: Home, onde vemos representada Binti, e Okwu, ao fundo.

Mulheres masculinas são um viés representativo importante, mas é comum associar seu valor apenas ao fato de elas corresponderem a certos padrões ditos masculinos. As características de Binti são inegavelmente femininas, e isso não diminui sua capacidade para realizar feitos dentro da narrativa.

Okwu, a Medusa, serve de contraste para isso. Apesar de não ter gênero definido, é difícil não pensar no personagem como pertencendo ao gênero masculino, pois sua personalidade me pareceu ter sido pensada para representar a masculinidade, em especial, a agressividade e pouco respeito pela diplomacia e diálogo. Ele, claro, não é de todo ruim, e, fora a Binti, é o meu personagem preferido da narrativa.

O que é bom, pois seu relacionamento com a protagonista toma um rumo já esperado, porém um tanto quanto bizarro. Se ele não fosse um personagem carismático, esse desenvolvimento em particular não teria caído bem.

Concluindo, a odisseia de Binti para encontrar seu lugar no universo é uma história cativante, e, apesar do curto comprimento, tem um bom leque de personagens que conseguiram me marcar, mesmo em poucas páginas.

Para quem lê em inglês, vale a pena a leitura, e para quem não lê, calma que já já lança a trilogia completa por aqui.

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