Maresi – As Crônicas da Abadia Vermelha

Maresi, primeiro livro da série As Crônicas da Abadia Vermelha, lançamento da Editora Morro Branco, e escrito por Maria Turtschaninoff, é uma obra sobre a saga de Maresi, a protagonista, ao crescer em uma ilha isolada. Esta ilha é sede da Abadia Vermelha, uma organização religiosa cujas participantes eram apenas mulheres (uma ilha só com mulheres não é um tema incomum na fantasia escrita por mulheres, pelo visto).

A protagonista é uma das várias noviças que escaparam do sofrimento do mundo exterior ao chegar na Abadia; isto é, com exceção de Jai, uma noviça cujos pesadelos do mundo real a perseguem mesmo na inóspita ilha.

O livro é curtinho, cerca de 200 páginas. A escrita é bem simples, de fácil leitura e bastante agradável, de modo que devorei a obra em cerca de duas horas; tempo bem investido, por sinal.

Uma boa fração dessas páginas são utilizadas para explicar o funcionamento da Abadia de maneira minuciosa, da geografia à alimentação, vestimenta e rotina diária das habitantes da ilha. Apesar de tanta minúcia ter grande potencial de se tornar maçante, a exposição da vida para as Irmãs e noviças é bem-vinda. É interessante saber de tais detalhes, e passa ao leitor a sensação de familiaridade e conforto.

Capa de Maresi, edição da Editora Morro Branco

Se a parte inicial é calma e expositiva, o seu desenrolar, que começa devagar e vai acelerando, é eletrizante. Literalmente. As divindades reverenciadas pela Ilha – a Mãe, a Donzela, a Velha – se fazem presentes na narrativa e descobre-se que a Abadia Vermelha é mais do que apenas uma seita isolada.

A narrativa, toda contada na voz de Maresi, dá grande foco nas personagens femininas, suas personalidades e particularidades: a participação de personagens masculinas é curta, antagônica, e de pouco destaque.

Parece óbvio, já que se trata de uma história cuja maioria do elenco só pode ser feminino, mas é comum, em ocasiões como essas, colocar um personagem masculino em posição de protagonismo – aconteceu em A Rainha do Ignoto, por exemplo, e, no filme da Mulher-Maravilha, ela é retirada da ilha e passa a ser a única personagem feminina proeminente na película.

Inclusive, eu reclamei sobre a onipresença de subenredos românticos em um post anterior, e, em Maresi, fui atendida. A garota cresce e amadurece enquanto pessoa e mulher, mas esse amadurecimento tem a ver com suas amizades e relações com suas colegas e superiores, sua sede de conhecimento e vontade de retribuir ao mundo o conhecimento que recebe.

Essa escolha narrativa com certeza deve estar relacionada com o fato de a história ser um relato escrito pelo punho de Maresi para constar nos registros da Abadia – e, olha, não estou reclamando nem um pouco deste formato.

Acompanhamos também, de certa forma, a noviça Jai, que se torna melhor amiga da protagonista. Algo interessante sobre ela é a raridade com qual personagens femininas demonstram fúria, fora de um contexto masculino e misógino. Seu arco de desenvolvimento e cura ao longo do enredo é tratado com sensibilidade, sem reduzi-la à tropos comuns e reducionistas de personagens femininas vítimas de abuso.

Não se deixe enganar: apesar do cenário bucólico e da leveza da narrativa, o horror e fantasia na história é de levantar os cabelos da nuca, formando uma combinação interessante e inesquecível.

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