Representatividade LGB – O Que Não Fazer

Vou abrir esse texto dizendo que o T não aparece nesse post, porque eu sou cis, ou seja, não sou trans, e não acho que seja meu lugar falar sobre representatividade trans, então vou deixar aqui um link de uma entrevista com um autor trans sobre a questão. Para quem não sabe, sou bissexual, então vou ficar com a parte LGB da sigla.

Outro ponto que eu queria esclarecer sobre esse texto é que não é minha intenção dizer que é proibido fazer isto ou aquilo, e se um livro ou filme tiver alguns desses fenômenos então é automaticamente homofóbico/bifóbico. A questão não é tão simples assim, mas, ao produzir qualquer coisa com personagens LGB, se tiver algum desses pontos, é legal parar para avaliar. Agora, sim, vamos ao que interessa:

A franquia Harry Potter aparece novamente aqui no Usina como fonte de inspiração para um post. O drama da vez é a sexualidade sempre implícita de Dumbledore, e é baseado nisso que vem o primeiro exemplo do que ter cautela ao fazer caso o objetivo seja representar de maneira benéfica pessoas lésbicas, gays ou bissexuais.

Não ser claro em relação à orientação sexual do personagem

Vide: Queerbaiting.

Vou escrever um personagem gay. Mas não vou fazer nenhuma referência à isso na história.

O fundo dessa questão é: se você, autor, autora ou criador de conteúdo, quer receber os louros por tocar no assunto na sua obra, então toque no assunto. Colocar um personagem LGB e não deixar isso impossível de ignorar ou ser interpretado de outra forma é quase o mesmo que não colocar de jeito nenhum, porque a maioria das pessoas vai entender que o personagem é heterossexual e lá se vai 75% do motivo pelo qual representatividade LGB é importante.

As pessoas LGB, que vão pegar as dicas ou vão ler os tweets obscuros, já sabem que pessoas LGB existem! Quem mais precisa consumir mídia com personagens LGB não vai interpretar um personagem assim a não ser que esteja explícito, dentro da obra. E deixar a orientação sexual explícita não significa que haverá cenas de sexo ou qualquer coisa de tom erótico ou sensual. Tratar a questão de maneira aberta não dita, de maneira alguma, o tom da obra.

Os outros 25% da importância é o reconhecimento do status enquanto LGB. Sem deixar nada às claras, não tem como isso acontecer.

Final trágico em relacionamentos com pessoas do mesmo gênero

Esse ponto vale especialmente para autores heterossexuais. Relacionamentos tem finais tristes, e isso é verdade até para os que são entre duas pessoas de mesmo gênero, mas, muitas vezes, romances ou subenredos românticos dessa categoria são escritos assim pois se associa automaticamente um relacionamento do tipo a um final triste.

Isso reforça a ideia de que o único tipo de relacionamento que pode acabar bem é o entre um homem e uma mulher (cis, de preferência rs). Acontece também a fetichização do sofrimento da pessoa LGB. Uma coisa é se comprometer a lidar com uma problemática real que dificulta esses relacionamentos, outra é colocar apenas como um artifício para criar drama e adicionar tragédia da história.

E matar uma das pessoas do casal por motivos aparentemente não relacionados é outra situação a ser pensada com cuidado, vide o número de personagens lésbicas que morrem de maneira violenta. Querendo ou não, é o reflexo da associação que se tem ao fato de ser lésbica, ou gay, ou bi, e a ausência de final feliz.

Finais felizes não existem só para casais com um homem e uma mulher, não, tá?

Um link para conferir: o do site LGBT Fans Deserve Better, que mantém estatísticas de personagens LGBT e seus fins.

Reduzir a questão a sexo

O primeiro ponto se relaciona mais aos personagens gays, o segundo às personagens lésbicas, e esse terceiro, acredito que é mais comum com os (poucos) personagens bissexuais por aí, mas vale para todas as letras da sigla.

Quantas personagens femininas no mundo do quadrinhos são lésbicas ou bissexuais sem serem vilãs ou mentalmente instáveis de alguma forma?

A questão da orientação sexual é, também, afetiva. Muito se associa as orientações LGB à perversão sexual, ao fetiche. Acontece que ser LGB é mais do que apenas querer transar com pessoas do mesmo gênero. E querer fazer isso não necessariamente diz nada sobre a personalidade da pessoa, seus hábitos sexuais ou sua moralidade.

Utilizar a bissexualidade para evidenciar a promiscuidade de uma personagem, ou como reflexo de alguma atitude diferente e retratada como menos aceitável em relação à sexo é, no mínimo, algo a se refletir com muita seriedade (o mesmo vale para homossexualidade).

Por exemplo, uma personagem bissexual promíscua, tudo bem. Agora, escrever uma personagem que é promíscua, logo ela deve ser bissexual, e, ainda por cima, inseri-la numa narrativa que a julga e pune por isso sem haver a devida crítica, aí já não é legal.

Utilizar a orientação sexual para “diferenciar”

Relacionado com o ponto acima, às vezes ocorre de se inserir a orientação sexual do personagem apenas para explicitar o quão diferente ele é, e isso é comum de ocorrer com os vilões, no quais seus maneirismos e comportamentos em relação a pessoas do mesmo gênero são uma arma para grifar seus desvios morais e aliená-los.

Uma maneira certa de saber se o caso é esse, ou apenas o vilão calha de ser LGB mesmo, é observar os demais personagens. Existem outros personagens LGB, bem representados e aceitos? Ou apenas os moralmente depravados o são?

Existem nuances e exceções para todos os casos expostos, como dito no segundo parágrafo. Ainda assim, sempre é importante refletir, em especial para os autores não familiarizados com as problemáticas e opressões sofridas por pessoas LGB; mesmo com boas intenções, é possível reproduzir clichês e estereótipos na produção do conteúdo que mais atrapalham que ajudam.

 

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